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Anora (2024)



Anora nasceu polêmico. Lançado em 2024 (no Brasil em 2025), o longa dirigido por Sean Baker conta a estória de Anora, uma stripper de 23 anos que conhece o filho de um oligarca russo, com quem vive um breve romance que resulta em um casamento por impulso em Las Vegas. 


Anora teve excelentes aprovações pelas premiações por qual passou, e acredito que pelo público também, mas ao faturar 4 estatuetas no Oscar 2025, especialmente a de melhor filme e melhor atriz, o longa passou a ser massacrado. Infelizmente, boa parte do ódio está vindo de brasileiros que não conseguem aceitar que a Ainda Estou Aqui não faturou o prêmio de melhor filme e que a Fernanda Torres não levou a estatueta de melhor atriz. Sendo bem sincera, acho tudo isso uma grande tristeza, porque também devemos saber perder. As pessoas estão dizendo que o filme romantiza a prostituição, ou que o filme não tem profundidade alguma, e eu não acho que é bem assim. 


Pessoalmente, não sei se Anora deveria ter faturado o prêmio de melhor filme e se a Mikey o de melhor atriz, mas o filme não é ruim como estão pintando, muito pelo contrário, é excelente e tem muitas nuances que o fazem um filme bem humano e interessante. Mas sem mais delongas, bora resenhar com spoilers :)






 

Para começo de conversa, Anora é um filme cru, e eu adoro filmes crus. Eu assisti ele após a premiação do Oscar, então peguei uma enxurrada de comentários não tão bons assim sobre o filme, mas não necessariamente coerentes, porque convenhamos, muita gente estava negativando o filme ou falando mal pura e simplesmente por efeito manada, e em alguns casos, a pessoa sequer assistiu o longa. De todo modo, eu fui assistir sem expectativas e, confesso, com um pouco de medo, mas posso dizer que a somatória é positiva e que eu me surpreendi e demais com o filme, eu realmente curti. A fotografia é lindíssima, o elenco está bem afiado, destaque para Mikey Madison e Yura Borisov, e o longa toca em um tema sensível e ousado, sem ser totalmente melancólico ou pesado, ele tem boas doses de momentos cômicos e é, em alguns momentos, propositalmente caótico. Não irei resenhar a história desde o começo, ponto a ponto, mas quero comentar o porquê de eu ter gostado tanto desse filme e algumas nuances, especialmente da Anora e do Igor. 


Anora, que prefere ser chamada por Ani, é uma jovem stripper de 23 anos que vive em Nova York. O filme não se aprofunda no passado de Anora, mas sabemos que ela vem de uma realidade mais simples e que tem uma avó russa, por isso consegue rasgar um pouco do idioma vez ou outra. Na altura do filme, Anora vive no automático: ela faz o que está ao seu alcance para garantir a sua sobrevivência. Apesar de estar sempre rodeada de homens e de usar sua aparência e corpo para sobreviver, ela não tem autoestima. Basicamente ela faz o que tem que fazer e com os meios que tem. 


Porém ao conhecer Ivan, o filho de um oligarca russo, ela sente sua vida ganhar cor — e não digo isso só pelo fato dela não ter mais que se prostituir, mas falo de se sentir amada e valorizada, de finalmente ter sido notada como ser humano, e não apenas como um corpo a ser usado a bel-prazer. Quando Ivan a pede em casamento, a princípio ela não acredita, porque, na cabeça dela, quem iria querer se casar com alguém como ela? Mas com a insistência do jovem, seu próprio olhar muda e seu brilho também. Esse longa tem muitas nuances. O simples fato do personagem do Ivan elogiar o russo dela, já era significativo para a protagonista e emulava essa reconstrução de autoestima (agora corta para a cena em que a mãe do Ivan diz que o russo de Anora era péssimo). 


Mas Anora não é um conto de fadas, porque contos de fadas não existem. Como era de se esperar, Ivan se revelou como mais um homem que apenas via a protagonista como objeto, e dada a personalidade imatura do jovem, que vivia a vida como se não houvesse amanhã, não foi nenhuma surpresa [para nós]. Assim, novamente, a autoestima dessa garota vai por água abaixo. Ani estava acostumada a ser usada, e ela estava anestesiada quanto a isso, mas ser iludida, ter seus sentimentos revirados e ser descartada como se não fosse nada, foi um baque muito diferente. 


Em contrapartida, temos a figura do Igor, esse personagem calado, mas extremamente humano que entra em cena para contrastar com a figura indiferente e irresponsável do Ivan. Como sabemos, a vida de casados dura pouco, até a família de Ivan descobrir sobre o casamento e decidir embarcar nos Estados Unidos para forçar a anulação do matrimônio. Tendo um filho super mimado, essa família russa tem funcionários que limpam a bagunça do jovem e, Igor, juntamente com dois irmãos armênios, são essas pessoas. Quando os funcionários invadem a mansão do casal para resolver a situação, Ivan foge deixando a esposa para trás e ela fica sozinha com esses homens, tendo que se virar. 


Aqui temos esse primeiro contato entre Ani e Igor, e, desde o primeiro momento, o olhar desse rapaz era muito diferente, porque ele não via Anora como objeto. Desde o princípio, ele sempre a tratou com humanidade, mesmo ela vendo-o como um "gopnik", já que ele era um russo vindo de uma realidade também mais dura. 





Anora é um filme com muitas cenas de sexo, e era de se esperar dada a temática, mas olhando para as cenas entre Ivan e Ani, eu não me lembro dele sequer a beijando, ou mesmo dando um olhar de carinho. Ele apenas queria usar seu corpo e exibi-la como troféu. Já com Igor, as coisas são muito diferentes. Na cena final, Igor está a todo momento procurando o olhar de Anora e depois a tenta beijar — e sinceramente, acho que isso diz muita coisa. Ainda, a cena após a anulação do casamento, com os dois na mansão e apenas conversando [ou se alfinetando] é muito mais sincera, singela e leve do que a rápida vivência que Anora teve como "namorada" ou esposa de Ivan. 


Durante todo o filme, Anora tinha essa ideia de Igor ser um delinquente. Ela achava que ele era como todos os outros homens que conheceu ao longo da vida (ou pior), inclusive ela indagando ele sobre o "estupro" mostra bem como ela estava sempre esperando o pior ou como estava acostumada a ser vista apenas como um corpo. Ele dizendo que não faria isso porque ele "não é um estuprador" é tão óbvio, mas ao mesmo tempo tão marcante. 


E então temos a cena final, que é muito importante porque, ao receber tanta ajuda de Igor, Anora resolve "pagá-lo" com a moeda de troca que conhece: o corpo. Porém temos mais uma vez Igor sendo essa luz, porque sim, ele via ela como mulher e gostava dela, mas acima de tudo, via ela como ser humano. Ele só queria beijá-la e admirá-la, e não ser recompensado da forma com que a Anora, até então, achava normal. E aí temos essa cena onde ela finalmente se liberta. Depois de tentar por muito tempo negar que Igor era uma boa pessoa, ela finalmente cai em si e se permite ser frágil perto dele, chorando em seus braços e colocando toda a dor para fora: de sempre ser usada, e, agora, de ser iludida e descartada tão facilmente.  — mas ao mesmo tempo, talvez aliviada por ainda existirem pessoas como o Igor por aí. 





Anora é um filme cru e está longe de ser um conto de fadas. Anora vinha de uma realidade bem difícil e percebeu de forma bem cruel, que nem tudo que reluz é ouro — e encontrou compreensão, justamente em uma pessoa que também vinha de uma realidade mais difícil, muito diferente de um playboy mimado como o Ivan.


Esse longa tem muitas nuances, a forma com os personagens se comportam, com a família russa claramente tratando todos como objetos (não somente a Anora, mas também seus funcionários e todos que estavam a seus serviços, como os armênios e o Igor — que era russo, mas de uma realidade muito diferente).


A penúltima cena, na mansão, onde Igor diz que acha "Anora" mais bonito que Ani, e ela desconversa, mostra como ela está tão ligada à persona que ela criou para sobreviver a esse mundo, a Ani. Ainda, temos novamente esse rapaz marginalizado tentando entender e conhecer a humana presente naquela sala, algo com que ela não está acostumada. 


Por fim, digo que Sean Baker fez um excelente trabalho e escolheu um excelente elenco. Como disse no início, não sei se o longa merece de fato, a estatueta de melhor filme, até porque não assisti outros grandes nomes como Conclave e O Brutalista, mas dizer que esse filme é ruim ou que é "apena sexo" é uma sacanagem. Também tenho um recado para quem está puto porque Ainda Estou Aqui não ganhou: família, por que vocês estão ignorando a outra vitória que tivemos? Melhor Filme Internacional é excelente também, para um país que nunca faturou uma estatueta no Oscar, já é um ótimo começo, não? :)


Enfim. 






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